Sorte do dia: você provavelmente não é um investidor da Netflix. Caso você seja, saiba que sinto muito e me compadeço: como um investidor do Twitter desde outubro do ano passado, sei bem o que é olhar para a carteira de investimentos e ver mais números vermelhos do que seria confortável de olhar.
Para quem não sabe do que estou falando, é o seguinte: nesta semana, a Netflix reportou seus resultados financeiros para o último trimestre. Com um faturamento um pouquinho abaixo do esperado e um lucro um pouquinho acima do esperado, este teria sido um trimestre totalmente irrelevante não fosse o fato dela ter reportado uma queda de 200 mil assinantes (a primeira em 10 anos) ao invés de ter acrescido 2,5 milhões de assinantes como ela havia previsto que faria quando antecipou aos investidores o que ela esperava para este trimestre.
O resultado, apesar de impressionante, não poderia ter sido mais previsível: suas ações despencaram 36% em apenas um dia, somando uma desvalorização de mais ou menos 70% desde novembro do ano passado. Para piorar, depois dessa queda histórica, o fundo de investimentos Pershing Square anunciou que havia desistido de ser um investidor da Netflix. Eles haviam comprado 1 bilhão de dólares em ações há apenas 3 meses, e anunciaram que decidiram vendê-las porque ficou claro para eles que os papéis da Netflix representam um risco maior do que eles, acostumados com risco, estão dispostos a enfrentar. Isso, por sua vez, contribuiu para mais um dia de baixas na bolsa de valores na quinta-feira, quando os papéis afundaram mais 3,5%.
Olhando para o negócio atual da Netflix, não faltam candidatos a culpados. Compartilhamento de senhas, altos preços de mensalidades, concorrência cada vez mais intensa, saturação do mercado de assinaturas, etc, etc, etc. Mas a verdade é que dentre todos estes fatores, um ainda não citado me parece ainda mais relevante: a Netflix há tempos não produz conteúdos realmente interessantes.
Veja, não é nenhum exagero dizer que a Netflix inaugurou sozinha a era moderna da tv sob demanda. Com House of Cards, seguida de Orange is the New Black, a Netflix acertou em cheio ao seguir a intuição de não poupar investimentos em conteúdos originais para se diferenciar em um mercado do qual ela muito em breve não seria a única participante. Nos anos que se seguiram, a Netflix aumentou os investimentos em conteúdos originais, expandiu a todo vapor sua presença pelo mundo, e quebrou paradigmas ao ter grandes filmes indicados e até mesmo premiados no Oscar.

Então qual foi o problema? Bem, ironicamente o problema parece ter sido exatamente isso tudo que eu acabei de falar. Ao inaugurar a era moderna da TV e fazer história com seus conteúdos de sucesso, a Netflix mostrou o mapa da mina para a concorrência. E enqunato a Netflix expandia mais e mais seu catálogo de séries originais, inundando o mercado com mais opções do que seus assinantes pudessem acompanhar, empresas como a Apple, Disney e HBO chegaram à primeira etapa do plano de sucesso da Netflix. Todas elas estão em um momento em que oferecem poucos, bons conteúdos originais, acompanhados por um catálogo secundário de conteúdos que só estão ali para fazer número. Todas elas estão aproveitando o momento em que a Netflix aproveitou sozinha durante anos, se aproveitando justamente do fato da quantidade gigantesca de conteúdos da Netflix tê-la transformado, ironicamente, no análogo de uma TV por assinatura: muito conteúdo irrelevante por um preço mais caro do que o valor que ele traz de retorno.
É claro que este não é o ÚNICO fator. O fato de 100 milhões de pessoas utilizarem contas indevidamente compartilhadas não ajuda. O fato da Netflix não ter franquias de destaque, como é o caso da Disney com Lucasfilm, Marvel e Pixar, também. O fato dela estar disputando espaço com um número cada vez maior de empresas, claro, é outro problema. Mas ao meu ver, nenhum deles parece ser maior do que o problema de há tempos a Netflix ter virado o símbolo de um serviço repleto de coisas para assistir, usado apensa quando não queremos realmente assistir a alguma coisa.