Uma das situações mais curiosas para quem escreve sobre tecnologia é aquela que vem quando estamos a escrever sobre um assunto enquanto este próprio assunto está a evoluir. Ainda mais no caso de uma coluna opinativa, é como tentar acertar um dardo em um alvo móvel, estando de olhos vendados. É assim que me sinto sobre toda a situação a envolver Elon Musk e o Twitter, mas é humanamente impossível eu não escrever sobre isso mais uma vez esta semana.
Do último sábado para cá, tudo mudou. Musk não fará mais parte do painel do Twitter, o Twitter mostrou que o clima de amizade entre o executivo e a empresa se transformou num clima de antagonismo mais rapido do que o casamento de grandes celebridades e, enquanto escrevo este texto, Elon Musk está a dar uma entrevista ao TED Talk e a dizer que ele tem um Plano B na manga, caso o Twitter não aceite a sua proposta de vender a empresa por US$43 biliões.
Por ter sido uma declaração dada literalmente há alguns minutos, ainda não existem muitos (bem, nenhum) detalhes sobre qual é este Plano B. Mas é claro que a principal especulação é que Musk pretende comprar o equivalente a 51% (ou talvez 50%+1) das ações do Twitter para dar início ao chamado Hostile Takeover, assumindo o controlo de uma empresa de forma legal, ainda que sem a permissão ou um acordo com a empresa a ser controlada. Outra possibilidade é que Musk esteja a pensar anunciar de uma forma bastante pública a venda de todas as suas ações do Twitter, na esperança de fazer o preço dos papéis da empresa despencarem e, assim, ele poder comprar (ou assumir o controlo) da empresa por um valor muito menor do que o valor atual.
Seja como for, toda esta situação tem um aspecto bastante parecido com o do processo que levou à falência o site Gawker. Essencialmente, o site (que era uma espécie de TMZ piorado) foi responsável pela divulgação não-autorizada da informação de que o executivo Peter Thiel, co-fundador do PayPal junto de Elon Musk, era homossexual. Daquele ponto em diante, Thiel adotou a missão de tirar o site do ar. E conseguiu. O que Thiel fez foi oferecer dinheiro ilimitado para um processo do ex-lutador Hulk Hogan contra o Gawker, e o processo faliu o site. Nota: o processo nada tinha a ver com Peter Thiel. Mas Thiel encontrou neste processo a oportunidade perfeita de se vingar do site, aproveitando-se de uma conta bancária ilimitada e um momento de fragilidade do… inimigo.
Percebes aqui a semelhança com a situação envolvendo Elon Musk e o Twitter? De há uma semana para cá, ficou absolutamente claro para mim que Musk vê o Twitter como uma presa fácil, liderada por um CEO desconhecido e recém-chegado a um cargo inédito. O seu preço, como eu já disse aqui algumas vezes, é uma barganha quando comparado com o impacto social que o site representa. Para Musk, comprar o Twitter por US$43 biliões representa um compromisso financeiro menor do que quando nós, reles mortais, nos comprometemos a comprar um iPhone.
O mais curioso aqui é a fixação de Musk com a ideia de transformar uma empresa pública em uma empresa privada. Ele tentou fazer isso com a própria Tesla, e agora quer fazer a mesma coisa com o Twitter. Parece-me que ele quer que a sua biografia descreva a salvação de duas empresas com métodos opostos, já que abrir o capital da Tesla foi uma das coisas que salvou a empresa da falência.
De qualquer forma, o mundo inteiro seguirá aguardando o desfecho desta história, que a esta altura é impossível de prever se acontecerá hoje, amanhã, nunca, ou se a esta altura, ele já aconteceu. A verdade é que se Musk de facto conseguir aplicar uma espécie de coup d’état no Twitter graças aos seus bolsos profundos, assim como Peter Thiel tirou o Gawker do ar sem grandes impactos em sua saúde financeira, entraremos num perigoso período do capitalismo moderno: aquele em que as vidas profissionais de dezenas de milhares de pessoas, neste caso os funcionários que trabalham no Twitter e nada têm a ver com a história com Musk, podem ficar à mercê da vaidade de um multibilionário com muito tempo livre, muito dinheiro de sobra, e que talvez esteja apenas a tentar provar a si mesmo que é tão poderoso quanto os seus seguidores do Twitter acreditam ser.