Shh! Eles estão a ouvir…
O crescimento da Indústria 4.0 e da Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) têm moldado a forma como todos os dispositivos comunicam entre si e como nós comunicamos com eles. Os dispositivos estão cada vez mais inteligentes e atualmente os sistemas ligados à internet podem ir desde a mais avançada televisão até à mais simples torradeira.
Estes dispositivos têm vindo a alterar também a forma como a informação é tratada, uma vez que quanto mais dispositivos estão ligados à rede, mais dados é possível recolher. Para além disto, o modo como os dados são recolhidos também tem vindo a sofrer alterações, e o que até há uns anos era feito de forma ativa e apenas com o consentimento do utilizador, é agora realizado de forma passiva, muitas vezes sem dar indicações do tipo de informação que está a ser obtida.
Isto constitui uma séria ameaça à privacidade de cada um de nós, uma vez que os dados recolhidos são muitas vezes passados por terceiros e acabamos por perder o rasto ao que pode ser feito com eles. Ora isto pode nem ser um problema se pensarmos apenas num dispositivo. Quem é que quer saber quantos iogurtes temos no frigorifico? O problema cresce quando os dados de todos os nossos dispositivos são combinados e podem ajudar a criar padrões sobre a nossa rotina e a vida privada de cada um. Padrões estes que podem revelar informação confidencial para empresas e até individuos.
“Mas eu não tenho nada a esconder”
Quando ligamos ou desligamos as luzes, a que horas abrimos a porta de casa, ou até quando tomamos banho, são dados que podem não parecer importantes à primeira vista, mas que devem ser mantidos em privado. Imaginem aquele vosso vizinho que está sempre à janela e sabe exatamente a que horas entram e saem de casa. Um bocadinho creepy, certo?
Tal como descrito no CryptoPaper, um manifesto que explica em detalhe o papel da privacidade, segurança e anonimização na internet, “A principal razão de usarmos cortinas em casa é impedir que as pessoas possam ver para dentro. A razão pela qual não queremos que elas vejam o que está lá dentro é porque consideramos que muito do que fazemos dentro das nossas casas é privado”.
Podemos não estar a fazer nada de ilegal, mas ainda assim todos preferimos manter em privado aquilo que fazemos em nossa casa.
Dispositivos que podem condicionar a privacidade
Temos visto um crescendo de assistentes virtuais atualmente no mercado. Apple HomePod, Amazon Echo e Google Home são apenas alguns dos exemplos de dispositivos que trazem para as casas os assistentes pessoais anteriormente existentes apenas nos smartphones (Siri, Alexa e Google Assistant, respetivamente).
A transfomação destes assistentes virtuais em adereços de decoração traz uma nova condicionante à privacidade de cada um de nós. Estarão estes sistemas permanentemente a ouvir aquilo que dizemos em nossa casa? Ou podemos confiar nos termos e condições destas empresas quando nos dizem que apenas ouvem após dizermos uma certa palavra-chave?
Estas dúvidas permanecem sem resposta, uma vez que é dificil perceber o que é feito aos dados depois de chegarem aos servidores destas empresas.
A verdade é que para além destas assistentes pessoais – que podem até ser bastante úteis para quem pretende melhorar a sua produtividade no dia-a-dia – existem muitos outros sistemas smart que muitas vezes nem precisamos que tenham uma ligação externa, ou será mesmo necessário que a torradeira tenha acesso à internet?
Medidas a implementar para mitigar estes problemas
As dúvidas que permanencem são muitas e possivelmente continuarão sem resposta. Desta forma, resta-nos mitigar estes problemas e defender o mais possível a nossa privacidade, mantendo um equilibrio entre a comodidade e a segurança.
O Regulamento Geral de Proteção de dados (RGPD) foi uma etapa importante avançada pela Comissão Europeia na proteção dos dados. Apesar de nem tudo ser perfeito, foi um passo na direção certa.
Do lado do utilizador, existe uma série de passos que podem ser tomados de forma a reduzir o impacto na distribuição dos nossos dados.
- Ler os termos e condições e a política de privacidade dos produtos e aplicações que usamos: eu sei que é o passo mais chato, mas é essencial na decisão sobre que dispositivos devemos ou não trazer para o nosso lar – apesar de que, tal como referido em cima, nem sempre temos a certeza do cumprimento destes termos;
- Manter o software dos dispositivos atualizado para evitar ataques e fugas de informação;
- Avaliar as diferenças entre os locais de armazenamento dos dados: armazenar tudo localmente é preferível relativamente ao armazenamto na cloud, mas nem sempre é possível, pois pode ser necessário aceder aos dispositivos fora de casa.