Nos últimos dias, o Digital Markets Act (DMA) voltou a virar notícia com a informação de que a União Europeia pode obrigar as gigantes da tecnologia a tornarem os seus serviços de mensagens interoperáveis com aplicações menores e menos expressivas de troca de mensagens. Essencialmente (e exagerando um pouquinho), se eu resolver programar um MVCMessenger, vou poder pedir para que a Apple, Google, Facebook, Telegram e outros permitam que a minha app se integre com as plataformas deles, de modo a que os utilizadores do MVCMessenger possam trocar mensagens com quem tem iMessage, e vice-versa.
Na teoria, essa parece ser uma medida bastante razoável. Se o problema da tecnologia moderna é o facto das empresas dominantes do mercado não darem espaço para a entrada de novos concorrentes, e se a chave para o sucesso dessas gigantes da tecnologia está no ecossistema fechado que cada uma desenvolveu, nada mais justo do que obrigá-las a abrirem esses ecossistemas. Assim, utilizadores atuais dos ecossistemas não são prejudicados, ao mesmo tempo que utilizadores de ecossistemas menores não ficam isolados do resto do mundo.
O problema é que teoria e prática nem sempre andam juntas.
Eu já escrevi aqui no passado sobre o risco que todos nós corremos com o facto de decisões importantíssimas sobre o futuro da tecnologia estarem a cargo de políticos que, na maioria das vezes, não têm a profundidade necessária de compreensão desses assuntos que estão a legislar. Medidas que, sob uma visão mais ingénua e menos profunda das tecnicalidades da tecnologia, podem parecer positivas, têm grandes chances de causar danos profundos no nosso dia a dia. Pensa, por exemplo, na medida (que também já comentei aqui) que obrigaria todo o mercado de tecnologia a adotar o padrão USB-C nos seus telefones. Em suma, uma medida assim anunciada há 20 anos, teria engessado o mercado numa tecnologia ultrapassada, e hoje em dia nós nunca teríamos, por exemplo, o próprio USB-C.
Agora tragamos isso para o assunto desta crónica, que é a interoperabilidade de serviços de mensagens. Deixemos de lado toda a questão técnica de como afetaria funcionalidades básicas de privacidade, como por exemplo criptografia de ponta-a-ponta, ou backups protegidos dos conteúdos dessas mensagens. Pensemos de uma forma mais ampla o que isso significará no médio prazo para o mercado de mensageiros.
De um lado, temos uma Apple que terá que se preocupar com essa interoperabilidade a cada funcionalidade que pensar em desenvolver, e que por vezes poderá concluir que certos projetos já não fazem mais sentido de serem desenvolvidos sob essas novas condições obrigatórias do mercado.
Por outro lado, temos um desenvolvedor que, em nome dessa interoperabilidade entre os principais mensageiros, terá que atualizar a sua app para dar suporte a novas funcionalidades adicionadas no WhatsApp, iMessage, Telegram, Signal, Messenger, Twitter Direct, Instagram Direct e tantos outros. Onde sobrará tempo (e recursos) para de facto evoluir a própria app? Criar novas funcionalidades? Aliás, qual será a motivação para criar novas funcionalidades que diferenciem a app do resto, já que elas provavelmente não serão adotadas em larga escala por outros serviços de mensagens? Isso sem citar, por exemplo, funcionalidades como transferência segura de dinheiro (como acontece no iMessage via Apple Pay), ou ligações seguras por áudio ou vídeo.
Em suma, o Digital Markets Act (DMA) é um passo importantíssimo que a Europa está a dar na direção de impedir que as Big Tech aumentem ainda mais o seu poderio, acabando completamente com a chance de novos entrantes no mercado se depararem com condições injustas de concorrência e de oportunidades. O problema é que por mais bem-intencionadas que sejam essas iniciativas, a falta de profundidade técnica (e de visão de longo prazo) do impacto de longo prazo de cada uma delas é tão assustadora quanto os problemas que elas estão a propor resolver.