Como o meu amigo Gustavo Faria do podcast CocaTech costuma dizer, “pra ser CEO, a pessoa precisa ser meio psicopata”. Eu nunca havia pensado desta forma, mas faz sentido. Peguemos como exemplo alguns CEOs que fizeram história nas últimas décadas no mundo da tecnologia: Mark Zuckerberg, Steve Jobs, Elon Musk, Elizabeth Holmes, Travis Kalanick… todos têm uma coisa em comum: o facto de serem adorados pelos seus funcionários, apesar das frequentes histórias de intransigência, cobrança exagerada e, muitas vezes, uma postura que beira desconfortavelmente o abuso moral.
Steve Jobs é um dos exemplos mais clássicos disso. A sua aura de genialidade e visão não é exatamente imaculada. Steve Jobs era um homem de família e fazia questão de jantar em casa todos os dias, mas isso era às custas de funcionários que praticamente viviam no escritório e ralavam madrugada adentro para transformar as ideias de futuro em realidade. Com Travis Kalanick, não foi diferente. O fundador da Uber tinha um comportamento tão repreensível que, bem, acabou sendo mandado embora da empresa que virou o símbolo definitivo da gig economy e abriu caminho para praticamente todas as soluções modernas de mobilidade e transporte.
Já com Elon Musk, a história é um pouco diferente. A sua carreira no mundo da tecnologia começou com a fundação do PayPal, junto de uma equipa de executivos que depois também criariam o YouTube, LinkedIn, Sequoia Capital, Palantir e outras gigantes do Vale do Silício. Musk fez uma fortuna com o PayPal, saiu, e envolveu-se com a Tesla (sim, poucos sabem, mas Elon Musk não fundou a montadora) onde faz história até hoje com a promessa de um futuro elétrico. Já um outro lugar onde Elon Musk faz história é no Twitter. Com uma atitude abrasiva e irónica, Elon Musk costuma tweetar algumas barbaridades que geralmente são apoiadas por um exército de sicofantas que vivem a fantasia de serem, de certa forma, iguais a Musk.
E Musk sabe disso. E usa isso em favor próprio. Creio que não haja outro CEO dessa estatura com tanta atividade (e tantas polémicas) no Twitter quanto Musk. Quando aqueles garotos ficaram presos em uma caverna alagada, Musk chamou de pedófilo um filantropo que ousou propor uma solução diferente para o resgate frente a aquela proposta por ele. Quando Musk tweetou que iria tornar a Tesla numa empresa privada, o que não aconteceu, Musk foi repreendido pelo órgão americano SEC e foi condenado a aprovar os seus tweets sobre a Tesla com advogados da montadora. Isso nunca aconteceu. A cada tweet sobre bitcoin, Doge e outras criptomoedas, Musk sabe que está prestes a acrescentar ou remove bilhões de dólares em valor de mercado sobre o ativo do momento. Ele, obviamente, sabe disso, e faz fortunas vendendo ou comprando essas moedas antes de derrubar ou subir esses preços com um simples tweet. Quando o político americano Bernie Sanders chamou a atenção de Musk por fazer manobras fiscais e não pagar impostos, Musk respondeu insinuando que o político já deveria ter morrido.
Recentemente, Musk chamou novamente a atenção do SEC ao tweetar que venderia uma parte das suas ações da Tesla (em reação às críticas de não pagar impostos), fazendo o preço dos papéis cair 16%. Musk obviamente sabia que isso aconteceria, motivo pelo qual o SEC o chamou para um novo depoimento regulatório. Em resposta a isso, Musk disse ao juiz do caso que as investigações do SEC estão a impedir a sua liberdade de expressão, o que possivelmente é o argumento mais vazio que eu já vi sair da boca de um CEO. E olha que já ouvi muitos argumentos vazios saindo da boca de CEOs nesses mais de 10 anos a cobrir tecnologia.
Não conheço Musk pessoalmente, e reconheço a capacidade que ele tem de transformar em realidade projetos aparentemente impossíveis. Mas quando olho para este tipo de atitudes do executivo, parece-me que ele sinceramente acredita que as regras e leis não se aplicam a ele como resultado das contribuições que ele já fez para a humanidade. Choramingar que leis engessam a liberdade de expressão é ignorar o motivo pelo qual existem leis para começo de conversa. É provar de uma vez por todas a hipótese de que quanto mais dinheiro você tem no banco, maior é a sua sensação de excepcionalismo. Com esse argumento, para tentar fugir da responsabilidade de manipular mercados e enriquecer ainda mais com isso, Musk mostra que realmente acredita na visão messiânica que os seus seguidores sicofantas pregam a seu respeito. Entre a responsabilidade de se colocar como um exemplo a ser seguido e a tentação de desrespeitar alguém no Twitter para ouvir as palmas de seus fiéis seguidores, Musk escolhe a segunda opção e perde a gigantesca oportunidade de quebrar o ciclo de comportamento que muitos dos seus co-fundadores do PayPal também resolveram seguir. Peter Thiel que o diga.