O desafio de adaptar a série de jogos ‘Fallout’ para uma série de televisão não era tarefa fácil para a Amazon. Com um enredo que se estende por mais de um quarto de século e uma dúzia de jogos, a solução mais inteligente foi a que a Prime Video tomou: contar uma nova história neste mundo, que se encaixa no enredo da franquia como se fosse mais um jogo.
Não é que os ‘Fallout’ originais não sejam reconhecíveis na série. Muitos elementos visuais e temáticos estão presentes numa produção que toma a decisão acertada de contar novas histórias, com novos personagens, mas no universo ‘Fallout’. Um bom exemplo disso é a introdução, onde vemos o estouro do holocausto nuclear num irónico e retro 1955, apresentando alguns elementos chave da série, como o uso do icónico “polegar para cima” que tanto caracteriza a saga.
Geneva Robertson-Dworet e Graham Wagner acertam ao reorganizar os elementos dos jogos: dos bunke onde vivem os sobreviventes mais privilegiados à quase sectária Irmandade do Aço, passando pelo omnipresente Vault Boy e, claro, o Páramo e seus habitantes loucos. E com tudo isso, constroem uma nova história, que essencialmente conta como uma sobrevivente sai do seu bunker em busca do seu pai. Em breve, ela se cruzará com dois habitantes distintos deste futuro, com os quais estabelecerá diferentes alianças: um membro da Irmandade e um caçador de recompensas monstruoso.
A série sabe aproveitar os elementos que funcionam melhor numa série do que num jogo. Por exemplo, há um tipo de mistério semi-criminal em torno da Vault-Tec, cuja presença institucional vemos desenvolvida em maior profundidade do que nos jogos. Isto dá à série um pano de fundo tridimensional, uma sensação de que há um passado complexo e cheio de mistérios que explica o horror apocalíptico que estamos a presenciar.
Estes saltos para o passado também permitem que um dos aspectos que por vezes fica em segundo plano nos jogos, mas que estava muito presente nas primeiras edições dos anos noventa: a sátira da sociedade norte-americana, através do pânico nuclear e da falsamente idílica sociedade dos anos cinquenta. Aqui, essa sátira é expressa, entre outras coisas, na personalidade da protagonista, Lucy, de esmagadora ingenuidade quando sai para o Páramo. Mas veremos como, muito subtilmente, ela deixa que o ambiente afete a sua personalidade.
As adaptações de videojogos estão a viver uma era dourada tanto comercialmente (Sonic, Super Mario Bros.) como criativamente (The Last of Us), e é graças a séries como esta. Não só o design de produção e a criação meticulosa do mundo são extraordinários (a filmagem do Páramo em exteriores dá-lhe um realismo impressionante), como os responsáveis pela série souberam extrair os elementos que tornavam os jogos grandes além da mera estética para reformular e manter vivo o enredo dos jogos.
A decisão de contar uma nova história neste universo, mantendo os elementos visuais e temáticos dos jogos originais, foi acertada. A série consegue extrair os melhores elementos dos jogos e adaptá-los para o formato de série de televisão, criando uma experiência única para os fãs da franquia. É um exemplo brilhante de como as adaptações de videojogos podem ser bem-sucedidas tanto comercial como criativamente.