Quem viu a primeira temporada de True Detective provavelmente vai lembrar-se de uma frase do personagem Rush Cole, magistralmente interpretado por Matthew McConaughey, que diz “O tempo é um círculo plano”. A frase, na verdade, não é dele. O conceito do eterno retorno, que postula que toda a existência segue um padrão cíclico, é um dos mais antigos da filosofia humana. E isso é especialmente verdade na internet.
Se usas a internet há algumas décadas, certamente sabes do que estou a falar. Do e-mail ao Snapchat, nunca existiu uma inovação que tenha sido bem recebida desde o começo.
Na verdade, a própria existência da internet teve de passar por este ciclo. Toma este artigo de fevereiro de 1995 da revista Newsweek, como exemplo. Lá pelas tantas, ao defender que a internet não passa de um brinquedo irrelevante, o texto diz que “nenhum banco de dados online poderá substituir o seu jornal impresso diário, nenhum CD-ROM poderá substituir um bom professor, e nenhuma rede de computadores irá mudar a forma como o governo funciona”.
Não se pode acertar todas.
Como observador das tendências da internet, não é difícil observar este mesmo comportamento sobre absolutamente tudo de diferente que chega ao grande público. E-mail, blogs, Twitter, Snapchat, smartphones, smartwatches, assistentes virtuais… todos passam pela mesma sequência que se inicia com “Isso não presta”, passa por “Isso pode até prestar, mas não para mim”, evolui para “Tenho usado um pouquinho, mas ainda não vejo muito sentido” e culmina em “Já não lembro mais como vivia sem isso no meu dia a dia”.
Em 2021, sem sombra de dúvida, o alvo deste ciclo foram as NFTs. Tem sido impossível passar um dia sem ver algum comentário pessimista, debochado ou plenamente míope sobre essa tecnologia. É claro que é engraçado tirar sarro de quem gastou milhares de dólares em um JPG de um macaco-mal desenhado que pode ser salvo por qualquer um no próprio computador ou smartphone sem o custo de um tostão. Mas quem se limita a ver as NFTs somente sob esta ótica, está ignorando a gigantesca mudança que elas propõem.
Parte do problema está na sua difícil compreensão. Certificar a originalidade e singularidade de um bem digital é algo de facto complicado de assimilar. Mas reduzir a importância das NFTs a isso não é muito diferente de reduzir a importância da internet a troca de e-mails com receitas de bolo. Dentro de 10, 15 anos, não está fora do campo da realidade a hipótese de absolutamente todas as tuas posses serem certificadas por NFTs. Do documento do carro à validade de eleições, dos papéis de casamento ao teu passaporte, as NFTs farão parte do dia a dia e serão tão corriqueiras quanto é o recebimento de um e-mail hoje em dia.
Mas há-de se começar devagar. É até necessário que existam coisas completamente inúteis, como NFTs de imagens de franquias da rede Olive Garden, para que a tecnologia (novamente, de difícil compreensão) caia no léxico e na compreensão popular. Mas em meio às divertidas piadas sobre essa tecnologia, deve-se tomar cuidado para não limitá-las a isso, apenas uma piada. Porque neste caso, corre-se o risco de daqui a 20 anos, seres lembrado como alguém que disse que a internet nunca passaria de um brinquedo.