Nos últimos anos, as reviews dos iPads têm sido bastante parecidos. Não importa se estamos a falar sobre o iPad Pro, o iPad Air, o iPad mini ou o iPad normal (que costumo chamar de iPad Nada). As impressões dos críticos especializados costumam ser: “O hardware é muito potente, mas o software não consegue acompanhar”. Fazendo um paralelo com o setor automóvel, é como se todos estivessem a dizer “É muito motor, para pouco carro”.
Não me entendas mal. Considerando a situação atual do iPadOS, é difícil discordar. Enquanto o hardware do iPad evolui a passos larguíssimos, o iPadOS evolui de uma forma que pode ser muito bem-definida pelo compositor brasileiro Lulu Santos: com passos de formiga, e sem vontade.
Mas o que me chama a atenção sobre essas impressões sobre o iPad, especialmente no último ano, é que elas não se resumem mais ao iPad. Pense nos Macs com processador M1, à época celebrados pelo surpreendente desempenho frente não só à concorrência, mas frente aos modelos com Intel também. Passada a grata surpresa da evolução no desempenho, as impressões gerais sobre esses Macs não diferiu muito da narrativa de “o hardware é tão bom, que você dificilmente encontrará um uso para todo o seu potencial”.
Aqui, também, é difícil de discordar. O poder de fogo desses Macs é tão grande que, na maioria dos casos, permitiu à Apple remover as ventoinhas dos computadores. Aliás, pense por um segundo como é divertida a ironia de um poder de fogo que não aquece. Mas é a realidade. Hoje em dia, a menos que faças mineração de bitcoin, dificilmente se usará todo o poder de fogo no seu dia a dia com esses computadores.
Mudando de linha de produtos (mas mantendo a narrativa), pensemos por um segundo no novo Apple Watch. Praticamente todas os reviews do Series 7 defendem que “este é um excelente produto, mas se ainda estiver satisfeito com a bateria, o desempenho ou a experiência do seu atual, não precisa fazer o upgrade”. Mais uma vez, o benefício da entrega de potência acaba tendo o efeito inverso, e vira um motivo para não adquirir o produto.
Pois bem. Agora olhemos para o futuro. Mais especificamente, para depois de amanhã que, no dia da publicação deste texto, será o evento de anúncio dos novos MacBooks Pro de 14 e 16 polegadas com a evolução dos processadores M1. Concentre-se e visualize como serão as reviews desses Macs. Eu aposto que eles não serão tão diferentes dessa mesma narrativa de que eles são tão potentes, que acabam sendo literalmente mais do que seria suficiente para suprir a necessidade atual do profissional médio que trabalha com um Mac.
Mas… se o novo Apple Watch entrega um desempenho além do necessário, os novos iPads entregam uma experiência além do necessário e os novos Macs entregam uma experiência além do necessário, para quem, afinal, a Apple está a direcionar esses produtos?
Tenho um palpite. Por mais que estejamos acostumados a medir o desempenho de novos produtos em relação às gerações anteriores (ou talvez à concorrência), este ponto de vista já não faz mais sentido em 2021. Os produtos atuais não são feitos apenas para substituir os antigos, mas sim para abrir as possibilidades que os produtos antigos sequer permitiam imaginar. Da mesma forma, os verdadeiros clientes desses produtos não são pessoas que procuram apenas cumprir os seus trabalhos de uma forma mais eficiente, mas sim as pessoas cujas profissões sequer seriam possíveis há 2, há 3, há 5 anos. Analisar a evolução de um produto comparando-o com o passado é um desserviço com cada tecnologia que ajuda a pavimentar o caminho para o futuro.
Que venham os próximos Macs. E depois mais alguns! Espero que cada geração seja desnecessariamente melhor do que a anterior. Quando o assunto é tecnologia (e as possibilidades que apenas a sua evolução proporciona), tenho para mim que quanto mais desnecessariamente avançado, melhor.