Dá um passo para o lado, Take-Two. O seu reinado como o detentor da maior aquisição do mundo dos jogos já terminou. Dias depois de ter desembolsado US$12,7 bilhões para comprar a Zynga, essa aquisição virou apenas a segunda maior da história desse mercado, após a Microsoft ter anunciado os planos de comprar a Activision Blizzard por quase US$70 biliões.
O que não significa que ela vá conseguir, é claro. Ela própria já disse que espera que essa aquisição se conclua apenas no final do ano que vem, o que significa que ela já sabe que tem um longuíssimo caminho pela frente, sobretudo para comprovar para a FTC que essa compra não representa justamente o que ela mais aparenta ser: uma redução do espectro competitivo no mercado de jogos.
Por outro lado, se tem uma empresa no mundo da tecnologia que sabe como navegar questões regulatórias, é a Microsoft. Resultado, é claro, do processo de anticompetitividade que quase desmontou a empresa nos anos 90, quando ela estava confortável demais no mercado de PCs e se aproveitou da posição de liderança do Windows para… bem, fortalecer ainda mais a posição de liderança do Windows. Após concordar fazer inúmeras mudanças que afetaram desde o funcionamento do Windows até ao plano de negócios da empresa inteira, a Microsoft tem passado os últimos 20 anos invejavelmente sob o radar das investigações competitivas que parecem pipocar diariamente para cima da Apple, Amazon, Google e (especialmente) Facebook.
Aliás, quem acompanha esta parte dos bastidores do mundo da tecnologia sabe que nunca se discutiu tanto o poder das grandes empresas de tecnologia, e as táticas predatórias de compra ou de esmagamento da concorrência que há anos elas praticam sem muita interferência da FTC. Este foi um tema bastante quente até mesmo durante as campanhas presidenciais nos Estados Unidos, o que resultou numa troca de liderança da FTC que, agora, está sob a tutela da obstinada advogada Lina Khan. Ela, por sinal, tem vindo a prometer desde o começo de sua ainda curta liderança na FTC que colocaria rédeas nas práticas anticompetitivas das gigantes do mundo da tecnologia, e ironicamente havia anunciado às vésperas do acordo Microsoft/Activision Blizzard uma série de novas regras para as práticas de aquisições ou fusões multibilionárias.
Pois bem. Isso tudo poderia ser o enredo de uma boa história escrita por Aaron Sorkin e dirigida por David Fincher ou Danny Boyle, mas não. Este é o mundo real, o que torna tudo isso extremamente empolgante para nós que gostamos de tecnologia. Independente do veredicto da FTC sobre a compra da Activision Blizzard pela Microsoft, nós estamos a viver os últimos dias desse mercado como o conhecemos. Digo isso porque caso a FTC não aprove a aquisição, essa será a estrondosa sinalização de que a era do buffet livre das gigantes da tecnologia chegou ao fim. Por outro lado, caso a FTC aprove a aquisição, todo o discurso do pulso firme de Lina Khan pode ir por água abaixo.
O meu palpite é que a aquisição será aprovada, mas sob uma gigantesca lista de condições que a FTC irá impor para deixar bastante claro que nenhum aspecto dessa aprovação representará uma limitação da competitividade do mercado. Isso inclui todos os aspectos de crossplay, exclusividade de títulos, controlo sobre os estúdios que a Activision e a Blizzard haviam comprado antes da fusão e posterior compra da Microsoft, e assim por diante. No fim das contas, a FTC tem nas mãos uma oportunidade raríssima de sinalizar para o mercado de tecnologia (que, vale lembrar, não é o único que ela regulamenta), que está disposta a trabalhar em conjunto com as grandes empresas para encontrar formas justas e favoráveis a concorrência de navegar esse período inédito de consolidação entre as companhias.
Resta saber se, com um orçamento anual de US$ 115 milhões, a FTC terá fôlego para aturar todas as brigas que já está a comprar. Este deve ser o gasto mensal do Facebook com os seus advogados, e só o Facebook já é alvo atualmente de duas ou três grandes investigações de anticompetitividade por parte do departamento de Lina Kahn.