A gigante de Cupertino está a apostar na Inteligência Artificial Emocional, em conjunto com a análise de um conjunto de dados de saúde, para tentar detetar depressões. No entanto, os críticos apontam que esta tecnologia se baseia em suposições e está destinada a falhar. Será mesmo?
A Universidade da Califórnia de Los Angeles (UCLA) aliou-se à Apple para investigar formas de detetar depressão. Este estudo foi inicialmente apresentado em agosto de 2020 e nessa altura, apenas era sugerido que a empresa estaria a usar poucos dados de saúde, como a frequência cardíaca, monitorização do sono e forma como o utilizador interage com o iPhone.
Agora, um relatório recente do Wall Street Journal vem indicar que afinal serão utilizados conjuntos mais completos de dados, em particular, indicadores de sinais vitais, movimentos, fala, sono, hábitos de digitação (e respetiva frequência com que se cometem erros ortográficos). A captura destes dados será feita através do Apple Watch e iPhone, utilizando inclusive os recursos de câmara e microfone deste último. Com a captura e análise destes dados, a Apple espera poder detetar níveis de stress elevados, ansiedade e depressão. Posteriormente, os dados recolhidos serão comparados com questionários de saúde mental e com os níveis de cortisol, medidos através dos folículos capilares dos participantes.
O sucesso deste estudo dita que a empresa terá a possibilidade de aferir o estado emocional de utilizadores de iPhones. A Inteligência Artificial Emocional é uma área em crescimento e só em 2019 movimentou 20 biliões de dólares americanos, de acordo com a Grand View Research. Esta área de investigação tem atraído várias empresas, como a IBM ou Dunkin’ Donuts que a aplicam nos processos de recrutamento para conhecer a personalidade de um candidato. Também a nível experimental, está a ser produzida tecnologia automóvel capaz de detetar se o seu condutor está sonolento, ou em aulas virtuais para detetar alunos em dificuldade de acompanhamento da matéria.
Até agora observámos as vantagens do estudo da Inteligência Artificial Emocional. No entanto, existem fortes defensores de que esta área de investigação assenta os seus pilares na suposição e falta de rigor científico.
Em geral, as tecnologias de deteção de emoções ou saúde mental não são precisas”, Hayley Tsukayama, ativista legislativa da Electronic Frontier Foundation.
Para além das questões éticas e de proteção de dados relacionadas com a recolha de enormes conjuntos de dados pessoais, alguns autores e estudos têm procurado refutar a legitimidade da tecnologia aplicada a esta área de investigação. Na revista académica Psychological Science in the Public Interest, foi publicado um artigo em 2019 no qual um grupo de investigadores expôs os desafios da Inteligência Artificial Emocional. Pode ler-se nesse artigo:
Os esforços para ‘ler’ os estados internos das pessoas a partir de uma análise apenas dos seus movimentos faciais, sem considerar aspetos vários de contexto, são, na melhor das hipóteses, incompletos. E pior, carecem de validade.
Este estudo da Apple veio levantar agora um debate que não é de agora, mas que também outras empresas têm enfrentado à medida que apostam nesta área. Em particular, os críticos pedem ética, transparência na forma como os dados são medidos e armazenados, e rigor. O impacto de apresentar dados errados aos utilizadores de tecnologia poderão, no mínimo, causar dúvidas face à fiabilidade dos seus dispositivos e aos limites do que a tecnologia pode ou não fazer por eles, deitando por terra anos de investigação e trabalho na área. Ainda referente ao rigor, é também apontado como crítica de até quão longe a tecnologia é capaz de distinguir se serão sintomas ligeiros de depressão ou se o utilizador deve recorrer a ajuda médica tão brevemente quanto possível.
Se por um lado temos críticos, por outro temos defensores acérrimos. A aposta da empresa de Cupertino na área da saúde não é de agora e tem-se vindo a tornar cada vez mais presente desde o surgimento do Apple Watch. Temos visto inúmeros casos de sucesso do Apple Watch no auxílio à deteção de doenças precoces associadas ao coração, ou até mesmo casos em que chegou a salvar vidas. Este poderá ser o próximo salto tecnológico a ajudar na identificação de possíveis doenças mentais, um tema que muito foi discutido recentemente graças aos confinamentos impostos pelas restrições governamentais de combate ao COVID-19.
O estudo iniciado pela Apple e UCLA em 2020 tem um mapa previsto a 3 anos, sendo que a próxima fase de testes contará com 3 mil participantes. Para além deste estudo, a Apple encontra-se também a investigar formas de detetar o declínio cognitivo e autismo em crianças. Enquanto se encontram em fase de estudo, podemos apenas ambicionar o sucesso desta tecnologia que poderá vir a ser um marco da tecnologia aliada à saúde.